Trabalhar rádio na escola traz retornos incríveis
Entro em uma sala de aula na Escola Municipal Alcide de Gasperi, em Higienópolis, Zona Norte do Rio de Janeiro, e um grupo de estudantes me espera com bolinho e café. Quatro meninas e um menino. Eles têm no máximo 14 anos.
Quase que sem respirar, Maria Eduarda pergunta se gosto de açúcar ou adoçante. Respondo 6 gotinhas. “6 gotinhas?”, não escondeu a surpresa. Balanço de maneira positiva enquanto viro lentamente a cabeça e aperto os olhos. “Vai ficar muito doce, professor”, conclui.
É um fato que vendo aqueles alunos em ação a vida fica infinitamente menos amarga. Esperança. Pego a xícara já mirando no alimento. Sem tempo a perder.
O bolinho e o cafezinho fazem parte de um momento importantíssimo na semana daquela turma e da professora Silvia Werneck, da sala de leitura. É o instante de discutir o que irá entrar no programa de rádio da escola. Surgem assuntos sérios. Surgem piadas. Surgem músicas. E surgem papéis e mais papéis, físicos mesmo, destinados ao quadro “Operação Cupido”.
A professora intervém pontualmente nas opções editoriais dos cinco, possibilitando que haja um intenso debate sobre como fazer uma rádio informativa, interessante e que chegue ao público-alvo.
Não pense você que não há estúdio. Há estúdio com o clássico vidrinho, mesa de som, microfones e notebook. As caixas de som espalhadas pela escola se encarregam de levar o conteúdo para as centenas de alunos. Adianto: não é a estrutura que faz a diferença. Ajuda, mas é só base de uma construção pedagógica bem-sucedida.
De forma educada, fui avisado que ao tocar a sirene do recreio era para me preparar. Esse era o instante que começava o programa e não seria a minha presença que alteraria. Sérios. Comprometidos. Profissionais. Entendi e avisei que não precisavam nem se importar comigo.
Não deu outra: quando o primeiro estudante rompeu a porta da sala de aula rumo ao pátio, uma das apresentadoras mandou a seguinte letra “Bom dia pessoal, meu nome é Gabriella e está no ar mais uma Rádio Alcide FM”.
Gabriella tem 13 anos e é capaz de entreter uma plateia de mil pessoas. Ao lado da Sabrina, da Maria Eduarda, a Duda, da Ana Beatriz e do Antonio Felipe ( que figura incrível!), tudo fica mais fácil. Convenhamos. Sobra talento. Tanto talento que os outros estudantes quase nem piscam querendo saber o que esse quinteto está falando.
“Eu hoje vou falar mesmo”, “João Pedro não tá aqui” e “Peraí, não tá dando pra ouvir”. Em um determinado momento, essas frases começaram a ser berradas. Duda, com uma cestinha na mão repleta de papéis, foi cercada por esbaforidas alunas. Algo estava a acontecer. Seria bolão da mega sena? Seria distribuição de ponto extra? Seria uma revelação divina? Não. Na caixa de som a resposta: "Daqui a pouco vamos falar os recados da 'Operação Cupido'. A Duda está com papéis em branco".
Sabe como é, né? Apesar de alguns já terem escrito e dado aos apresentadores, sempre vão ter aqueles que deixam para cima da hora. É assim até com o sentimento.
Enquanto Duda tenta arrumar Bic pra tanta demanda (“tá impossível hoje, professor!”), Ana Beatriz, no quadro “Falando sério”, diz o que pesquisou sobre autoestima.
"A estima é como uma opinião sobre alguém ou até mesmo uma apreciação por alguém. Sendo assim a autoestima é a mesma coisa – só que de si mesmo”.
Sobe som para música. Aproveito para perguntar a professora de onde ela tirou essa ideia.
"A rádio existiu aqui na escola há alguns anos e esse ano a direção pediu para eu assumir e participar do projeto. Estou aqui. A gente organiza, mas eles é que estão à frente, eu fico só nos bastidores”.
As apresentadoras Sabrina e Gabriella dividem o microfone para anunciar “Operação cupido, sintonize com seu amor”. O nome e o slogan nos levam a entender que é de declarações apaixonadas, mas não. Não somente. Tem reconciliação de amizade. Tem agradecimento a professor. Tem elogio ao pessoal da limpeza. Tem aluna falando que ciclana é best friend forever. E tem, óbvio, quem bote para fora toda sua paixão.
Em tempos de cólera, um bom refúgio para despressurizar qualquer tensão. Parece que todos se conhecem e se entendem melhor com aquele programa rolando. Educadores e estudantes. Parece que todos estão no mesmo estúdio, na mesma escola, com o mesmo bolinho. Mas nem sempre tomando café com seis gotas.
Ainda bem.
Escrito por Thiago Gomide
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