Ferramentas analógicas mostram que ainda são valiosas para a aprendizagem
Na contramão do digital, jogos de tabuleiro e whiteboards vêm dando as caras nos espaços de aprendizagem.
Ao mediar uma aula, o professor sempre vai trabalhar com a sua criatividade. E quando falamos disso, desafios baseados em projetos e atividades lúdicas acabam sendo lembradas. Segundo pesquisa da Research and Markets, as atividades de gamificação utilizadas na educação vão movimentar mais de um bilhão de dólares até 2020, mostrando assim, a partir de 2016, um crescimento anual de 66,22%.
Dentro desse cenário podem ser encontrados mecanismos digitais e analógicos para construir as dinâmicas gamificadas, porém a grande provocação que fica é: por que em um mundo tão imerso na tecnologia se depara ainda com iniciativas convencionais e pouco digitais? Seria uma espécie de hype ao passado pelo papel e a caneta? Ou, de fato, são sinais de que uma coexistência tem funcionado? Eu ficaria com a segunda opção.
Um grupo de estudantes de medicina conseguiu um aumento de 12% em retenção de conhecimento ao utilizar um jogo de tabuleiro, de acordo com o artigo de Maria Cutumisu (2019). Outros estudos como os de Longcamp e Velay (2005) afirmam como crianças de 3-5 anos reconhecem melhor as letras do alfabeto ao escreverem com caneta ou lápis, em contrapartida ao ato de digitar em um teclado.
Pedagogia é ciência e, como tal, merece ser desvendada.
Aprendizagem lúdica como motor para o protagonismo
Apresentado na Conferência Internacional de Gestão do Conhecimento (Vienna, 2016), o estudo dos pesquisadores Taspinara, Schmidta e Schuhbauerb revelou que 67% dos estudantes entrevistados em um questionário classificaram os jogos de tabuleiro (board games) como primeira escolha dentre outros tipos de jogos.
No Brasil, o mercado de jogos de tabuleiro segue a tendência mundial e mostra-se bastante aquecido. Segundo a Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos, a indústria de jogos analógicos cresceu 7,5% em 2018. Além de invadirem a casa das famílias e até mesmo ambientes temáticos, os board games garantem também presença nas salas de aula.
O educador Bernard Sarpa é um praticante de metodologias ativas e vem constantemente utilizando board games nas suas dinâmicas de aula universitária. De acordo com Sarpa, o que ocorreu foi uma espécie de modernização dessas ferramentas analógicas.
“Os jogos sempre foram presentes nas salas de aula. Hoje chama mais atenção essa questão dos jogos de tabuleiro modernos (board games). E isso vem sendo uma demanda até social — as pessoas estão buscando essa reconexão. E aí para entrar em sala de aula foi uma questão de atualização. Jogos sempre foram utilizados, só que agora a gente tem muito mais opção. “
Sua tese de mestrado defendeu os jogos de tabuleiros modernos como facilitadores no desenvolvimento de soft skills, as competências socioemocionais tão requisitadas por recrutadores e gestores no mercado de trabalho.
Hoje em dia, essas habilidades são as mais procuradas pela maioria das empresas. São habilidades que você não desenvolve a partir de conhecimento teórico, você desenvolve justamente trabalhando com a prática. E os jogos facilitam isso porque muitos deles simulam situações de colaboração, de negociação, de recursos escassos e etc. Então, a partir disso, os jogos entram como facilitadores no desenvolvimento desse processo em um ambiente controlado que é a sala de aula.
Analogicamente imperfeito e perfeitamente essencial
Em seu artigo de 2017, Karin James (Universidade de Indiana), demonstrou como o sistema motor cria variabilidade em nosso mundo de percepção quando escrevemos à mão, o quê então provoca melhorias de desempenho comportamental e serve para vincular sistemas cerebrais a redes funcionais.
Basicamente, James, mostrou que uma ação manual como o ato de escrever na infância é fundamental para nossa melhor interpretação de símbolos. Cada letra mal escrita ocasiona uma espécie de rastreamento por parte do cérebro, originando nessa melhora de rendimento da percepção visual e, consequentemente, melhora no desempenho da leitura. James foi capaz de concluir pelos testes feitos durante a pesquisa que não importa o quão bem, uma criança copia as letras, o benefício está em produzir várias diferentes versões da mesma letra.
A percepção de variação é um dos pontos positivos de uma ferramenta analógica como o lápis ou a caneta. Listas de tarefas e cadernos digitais já não são unanimidade. Bullet journals e whiteboards voltaram a ficar em cena na mesa de estudantes e na de profissionais do mercado de trabalho.
Mesas de vidro com capacidade de servirem como um whiteboard promovem também essa invasão do analógico em espaços de aprendizagem. A experiência ocorreu com Paulo Zackary, consultor da Raízes Digitais, que utilizou, como professor e aluno, a tal mesa do Centro Universitário Celso Lisboa.
“Eu participei tanto aplicando uma aula gamificada e como aluno. É um método interessante, você tem um grupo ali e que pode fazer um brainstorm, você pode escrever, apagar...é uma ferramenta útil para você visualizar e materializar as ideias, não depender só do uso do computador. É sempre interessante você trabalhar nesse formato híbrido, sem ficar totalmente dependente da tecnologia.”
Para Paulo, a unificação dos dois mundos é uma tendência. Ele mesmo ainda conta de outras experiências como a da vez, por exemplo, em que aplicou uma dinâmica com jogos analógicos, mas fez toda a mediação por videoconferência.
Significativo é a transformação
Seja por meios analógicos ou digitais, a verdade é que o mais importante é o resultado da aprendizagem. Ambas ferramentas possuem seus predicados, com a analógica mostrando ainda bastante relevância e até mesmo sendo essencial para uma aprendizagem significativa.
"Eu trabalho com muitos jogos de carta, jogos de tabuleiro. Eu gosto de ter um caderno de anotações, mas em geral o que eu passo para esse caderno é na hora que eu estou com alguma ideia e tudo o mais. Eu gosto de escrever, mas em geral eu registro muita coisa digitalmente. Não precisa ser uma luta (digital x analógico)." Conclui Paulo.
A tecnologia mostrou a que veio e abriu uma série de possibilidades. Vários cases já mostram como o próprio celular é um aliado, não o contrário, em espaços de aprendizagem. O advento da revolução tecnológica vindo com tudo no cotidiano da sociedade tende a levantar dúvidas sobre a relevância das ferramentas analógicas na nova era de indústria 4.0.
O debate sempre costuma expor a complexidade de questões desse calibre. A convergência e a subversão de ideias pré-estabelecidas uma hora ou outra surgem para pôr luz nas discussões. É preciso continuar questionando e enxergando os diferentes prismas. Faz parte. A pedagogia agradece.
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