Homeschooling e Unschooling

Homeschooling e Unschooling

O ensino domiciliar no Brasil foi objeto de decisão do Supremo Tribunal Federal em setembro de 2018. Em sua matéria “Homeschooling é um prejuízo aos direitos da criança e do adolescente”, escrita em 25 de julho de 2019, o professor Paulo Modesto expõe as três orientações assumidas pelos ministros da corte nessa ocasião:

  1. Para a primeira linha de compreensão, a Constituição Federal não proíbe o ensino domiciliar, de que resulta uma autorização implícita desde que os pais notifiquem as secretarias municipais previamente da opção realizada. Ainda nessa primeira orientação, o homeschooling deve ser considerado modalidade específica de “ensino oficial e curricular”, não se traduzindo em segregação domiciliar do estudante já que ele pode socializar em atividades extraclasse.
  2. Para uma segunda orientação, o ensino domiciliar “não pode ser considerado meio de cumprimento do dever de educação”, sendo proibido pela Constituição Federal, já que a carta estabelece a obrigatoriedade do ensino escolar. Práticas de desescolarização, nesta visão, não se compatibilizam com o imperativo constitucional de formação integral e de socialização do educando.
  3. Para uma terceira orientação, Constituição, família, sociedade e Estado devem assegurar a crianças e adolescentes a convivência familiar e comunitária, não sendo admitida as espécies de unschooling radical (desescolarização radical), unschooling moderado (desescolarização moderada) e modalidades de homeschooling puro. Isto porque acredita-se que estas últimas negam a participação estatal solidária, inclusive na fixação de currículos básicos e fiscalizações decorrentes. Ainda segundo esta orientação, seria possível no Brasil apenas o “homeschooling por conveniência circunstancial”, isto é, quando esta modalidade de ensino privado individual se revelar “alternativa útil para prover os fins educacionais de modo tão ou mais eficiente que a escola”. A terceira corrente foi vitoriosa no debate.

Em sua análise, Paulo Modesto pensa que deve ser rigorosa a avaliação jurisdicional da legitimidade da exceção ao ensino escolar formal obrigatório no Brasil, acrescentando que “o mesmo Estado que presta com deficiência o serviço escolar tende a controlar com ineficiência a qualidade do ensino doméstico". Paulo adiciona ainda que a escola é um espaço de aprendizado, de coexistência com o outro, de hétero e autorreconhecimento e de equalização de diferenças.

O professor acredita que crianças enfermas de doenças contagiosas ou autoimunes, impedidas momentânea ou prolongadamente de frequentar a escola, devem receber serviço de ensino individual substitutivo, em casa ou no hospital, além de jovens residentes em localidades desprovidas de escola habilitada ou com vaga. Entretanto, adiciona que, em nosso país, em que há assustadoras estatísticas de violência doméstica e trabalho infantil, evasão escolar e gritantes disparidades sociais, autorizar genericamente a educação domiciliar amplificará riscos sem qualquer garantia de que estes serão minimizados por um amplo e adequado acompanhamento do sistema de controle do Estado.

 

COMO ANDA A REGULAMENTAÇÃO DO HOMESCHOOLING E O QUE PODE MUDAR COM ELA?

 

Em uma audiência que ocorreu no dia 5 de abril de 2021, o Ministro da Educação Milton Ribeiro e a Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves defenderam o homeschooling. O tema é uma frente do atual Governo Federal, que procura que a prática seja regulamentada junto ao Congresso até julho de 2021.

O ministro Milton Ribeiro enfatizou na audiência que o projeto do governo seria "uma opção" para quem pretende seguir o modelo e "sem obrigatoriedade" de adoção, citando experiências de outros países. Rebatendo os possíveis problemas de socialização, Milton afirma que "a própria família, clubes, bibliotecas e até mesmo a igreja” serviriam como espaços de socialização desses estudantes. No mesmo caminho do Ministro, Damares Alves coloca que os temores sobre abuso em casa com as crianças que seguem no regime homeschooling “não se sustenta”. Citando experiência própria, a Ministra diz que sofreu abusos na época de sua infância mesmo estando matriculada em uma escola.

Há 27 anos, projetos de lei são apresentados para exigir a legalização do movimento. Como apontamos acima, em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a educação domiciliar não é inconstitucional, mas precisa de uma normatização para ser permitida.Três anos depois, em março de 2021, um dos projetos de regulamentação avançou na Câmara e a deputada Luísa Canziani (PTB/PR) foi nomeada relatora da matéria. Em entrevista para o G1, a deputada Luísa Canziani diz que “A educação domiciliar não vai deixar de existir, mesmo sem regulamentação. Por isso, prefiro que o Estado traga alguma forma de balizar e fiscalizar a prática”. Segundo a deputada, é importante que o governo estabeleça normas de funcionamento para os praticantes do modelo, assumindo mais controle do que está sendo feito nos domicílios e evitando, dessa forma, casos de abandono intelectual, violência domésticas ou abuso infantil.

De acordo com a notícia do G1 "Outro projeto sobre 'homeschooling', de deputadas bolsonaristas, propõe mudança no Código Penal", um projeto de lei que busca descriminalizar o "homeschooling" (educação domiciliar) começou a ser debatido na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) nesta terça (18 de maio). O texto do projeto de lei em questão, das deputadas Bia Kicis, Caroline de Toni e Chris Tonietto, busca acrescentar um novo parágrafo ao Código Criminal descriminalizando o homeschooling.

O outro projeto de lei relacionado ao homeschooling, de autoria de Luísa Canziani, deve ser votado até junho. O texto visa regularizar a prática a partir de uma série de exigências como, por exemplo, a necessidade de que um dos responsáveis legais pelo aluno tenha diploma de ensino superior. Alguns responsáveis por estudantes que aderem ao homeschooling criticam o projeto da deputada por considerarem as exigências restritivas e de encontro com as premissas da educação familiar.

Os dois projetos citados acima foram unidos para que fossem pensados e tramitados juntos. Entretanto, a deputada Bia Kicis solicitou a separação dos dois textos, afirmando que o seu projeto foca apenas na questão da descriminalização, sem alterações à Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Dessa forma, pularam-se etapas e o texto já foi colocado como prioridade na reunião deliberativa virtual, podendo ser votada em plenário após a aprovação. No entanto, o deputado Bohn Gass entrou com um requerimento para que as propostas passem pelas comissões de Educação e de Seguridade Social e Família.

Um caso recente sobre o homeschooling foi o da aluna que desde 2018 estudava por essa modalidade, foi aprovada no vestibular da USP e logo em seguida foi proibida pela justiça de cursar a universidade. Elisa de Oliveira Flemer, de 17 anos, trocou o ensino médio na escola para estudar por conta própria em casa. A jovem estuda seis horas por dia em casa, seguindo um método próprio, e não frequenta a escola desde 2018. Elisa diz que "Fazia a lição ali em 20 minutos e ficava o resto da aula lendo, divagando, escrevendo, desenhando". Elisa já passou em faculdade particular, tirou quase mil na redação Enem e, recentemente, conquistou o 5º lugar no curso de engenharia civil da Escola Politécnica da USP. No entanto, por não ter completado o ensino médio em uma escola tradicional, Elisa não pôde entrar na faculdade.

 

HOMESCHOOLING E UNSCHOOLING

 

Em seu posicionamento sobre o homeschooling do governo Bolsonaro, Alex Bretas, que é Palestrante do TEDx, facilitador de comunidades de aprendizagem autodirigida e mentor, aponta a importante diferença entre Homeschooling e Unschooling em uma de suas publicações na plataforma Medium. Segundo Alex, homeschooling seria repetir os mesmos erros da educação tradicional, substituindo a figura dos professores pelos pais ou tutores. Alex aponta que esta pauta pode estar encobrindo outros assuntos como um conservadorismo religioso do qual não é adepto, e completa ainda que

Unschooling, por outro lado, é uma filosofia e um movimento educacional que se aproxima muito da aprendizagem autodirigida, meu tema de estudo há muitos anos. A criança pode explorar seus interesses e talentos, embarcar em seus próprios projetos de aprendizagem, e seus tutores (pais ou outros profissionais) cuidam de gerar um bom contexto para essa aprendizagem acontecer, além de estarem disponíveis para apoiar, escutar e abrir (e eventualmente sugerir) caminhos para a criança.

Em um dos episódios do programa “Conversa com Bial”, transmitido pela emissora Rede Globo, foi promovido um debate sobre o tema da desescolarização ou unschooling com Ana Thomaz e Fábio Marcoff. O tema não era uma questão para esse casal até o filho mais velho pedir para sair do colégio aos 14 anos. Ana afirma que a escola não serve mais e que ela tira o interesse das crianças, completando que seu filho começou a estudar de uma maneira que não estudava antes somente quando saiu da escola. Ela ainda diz que o lugar da criança é sim na escola, mas ela tem que se transformar. Ressaltando essa diferença entre homeschooling e unschooling, Ana frisa que a educação familiar traz a escola para dentro de casa, segue um currículo e acredita que pode fazer melhor que a escola, enquanto a desescolarização rompe com esse padrão e cria uma nova maneira das crianças crescerem.

 

REFERÊNCIAS:

 

Agosto/2018. Casal explica por que não põe os filhos na escola: ‘Ela tira o interesse das crianças’. Casal explica por que não põe os filhos na escola: 'Ela tira o interesse das crianças' | Conversa com Bial | Gshow (globo.com)

MODESTO, P., julho/2019. Homeschooling é um prejuízo aos direitos da criança e do adolescente. ConJur - Homeschooling é um prejuízo aos direitos da criança e do adolescente

Abril/2021. Ministro da educação defende homeschooling em audiência e diz que socialização da criança pode ser na igreja. https://g1.globo.com/educacao/noticia/2021/04/05/ministro-da-educacao-defende-homeschooling-em-audiencia-e-diz-que-socializacao-da-crianca-pode-ser-na-igreja.ghtml?utm_campaign=g1&utm_medium=social&utm_source=twitter

Abril/2021. ‘Homeschooling’: entenda o modelo de aprendizagem domiciliar que o governo quer regulamentar até julho. 'Homeschooling': entenda o modelo de aprendizagem domiciliar que o governo quer regulamentar até julho | Educação | G1 (globo.com)

Maio/2021. Outro projeto sobre 'homeschooling', de deputadas bolsonaristas, propõe mudança no Código Penal. https://g1.globo.com/educacao/noticia/2021/05/19/outro-projeto-sobre-homeschooling-de-deputadas-bolsonaristas-propoe-mudanca-no-codigo-penal.ghtml 

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